segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Nova médica, nova cirurgia

A dia da consulta com a nova médica chegou e eu, como sempre, estava nervosíssima. Primeiro, porque iria ter consulta com uma médica que eu não conhecia e que iria substituir a dra Anabela Ferreira. Segundo, porque eu tinha aquele gânglio suspeito e ia com um medo terrível de estar a ser novamente invadida pelo cancro. Quando cheguei ao hospital, conheci a minha nova médica - a dra Flora (já não me lembro do resto do seu nome). Achei-a simpática, mas vi nitidamente que não percebia por aí além do meu problema de saúde. Aliás, ela ficou nitidamente chocada quando leu o meu processo clínico e percebeu que eu tinha sido reencaminhada para ela. Adiante. Os exames que eu tinha feito estavam bem, mas o gânglio estava ali a dizer-nos "Olá!" e, segundo a médica e segundo outros médicos que tinham sido consultados, seria melhor ele dizer-nos "Adeus". Tinha de se averiguar o que aquele malvado tinha no seu interior, para se descartar a hipótese de haver metástases. E, pronto, vinha aí nova ida à faca. Mas desta vez sem grandes alaridos, apenas com anestesia local. Mais uma dose de nervos. Nada a que eu não estivesse já habituada.

sábado, 28 de setembro de 2013

Um gânglio no meu pescoço, socorro!

Estávamos, penso eu, algures no primeiro trimestre de 2007 (já não me lembro bem destas datas, confesso). Num sábado à tarde, estava em casa a ver televisão, e de repente sinto uma espécie de gânglio inflamado no meu pescoço. Socorro. Foi o pânico total. Tinha o telemóvel da médica e lembrei-me de lhe ligar, mas, caramba, a senhora tinha acabado de se reformar, além de que a consulta com a nova médica seria daí a uns dias e eu tinha exames onde se poderia ver que não estava lá nada de muito suspeito. Não era nada, com certeza. Dizia eu para mim mesma. Mas não descansei. Estava sempre inquieta. Falei com algumas pessoas informadas e decidi aguardar a consulta.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A consulta

A consulta correu bem. Estava tudo bem comigo. Novos exames para daí a três meses. Se Deus quisesse, iria ter um Natal e uma Passagem de Ano tranquilas (a loucura foi tanta que agarrei na minha amiga V. e fomos para Roma divertir-nos à grande). Fiquei feliz. Mas a médica informou-me de que se ia reformar e que alguém a iria substituir, só não sabia quem. Hummm. Torci o nariz.

Das pessoas que nos marcam

Antes de fazer o esvaziamento cervical, andei a pesquisar no google horas e horas informações sobre esta cirurgia. E numa dessas pesquisas fui parar ao blog "Tropico de Cancer" de Gilnei Quintana Marques, jornalista brasileiro, que assinava como Enrico Miller. Ele tinha um cancro na rinofaringe e também tinha passado por essa cirurgia. No tal blogue, que já não existe, ele relatava tudo o que vivia, sempre acompanhado da sua querida mulher, e quase sempre com uma pitada de humor. Eu adorava aquele blogue. Foi graças a ele que eu comecei o meu blogue principal. O seu blogue tinha atualizações quase diárias e eu ia lá todos os dias. Chorei muito. Ri muito. E a sua vida marcou-me muito naquela altura. De repente, era como se o conhecesse e ele fosse um amigo ou da família. Ora, a minha consulta, depois de alguns adiamentos, ficou marcada para o dia 16 de novembro de 2006, dia seguinte ao meu aniversário. Nesse dia, eu já levava uma Tac que, pela minha leitura de leiga, me parecia estar normal. Mas nunca fiando. Estava demasiado nervosa e antes de ir para a consulta deu-me para ir espreitar o blog do Enrico, nome pelo qual eu o conhecia. Ele já andava bastante mal ultimamente e já há alguns dias que não dava notícias no seu blogue. Quando abro a caixa de comentários li aquilo que mais temia - o Enrico tinha falecido, no dia anterior, dia do meu aniversário. Oh não. Fiquei tão deprimida que me fartei de chorar. Escusado será dizer que fui para a consulta a achar que o meu fim seria exatamente o mesmo que o do Enrico.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Depois do cancro

Depois de toda aquela alegria começou a cair-me a ficha. E agora? Será que estou bem? Será que não devia ter feito radioterapia? Não me perguntem porquê, mas eu sentia que o pesadelo não tinha terminado. Não estava tranquila. É verdade que o cancro tem o defeito de nunca mais nos devolver a paz que nos roubou. Vivemos sempre com medo de que tudo volte novamente. Mas é verdade que eu não me sentia bem. Ou seja, eu sentia-me bem fisicamente, óptima como sempre me senti, mas psicologicamente andava uma lástima. Andava pior do que na altura do cancro em si e das cirurgias. Tinha medo de tudo e andava sempre em pânico de cada vez que sentia um altinho ou algo diferente naquela zona. Iria fazer exames e ter consulta daí a três meses. Aguardava por tudo muito receosa.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Seria o fim deste pesadelo?

O dia da consulta para saber do resultado da anatomia patológica chegou e eu estava mais nervosa do que sei lá o quê. Quando a médica me chamou na sala de espera só não desmaiei porque não sou pessoa de desmaiar, caso contrário teria caído ali redonda no chão, tal não era o estado de nervos em que estava. A médica, calmíssima como sempre, abriu o resultado e num instante me disse que vinha tudo negativo. Nada de metástases. Nada de vestígios do tumor. Nada de cancros no meu corpo. Disse que tendo em conta este resultado, não valeria a pena fazer radioterapia. Faria apenas novos exames daí a três meses. Apeteceu-me cantar, pular, correr, esbracejar e rir muito. Estava feliz como nunca me tinha sentido. Eufória. Delirante. Era uma pessoa nova. Isto de ter cancro é uma porcaria e deixa-nos completamente na fossa, mas também é verdade que quando há boas notícias é como se levitássemos sobre flores de e borboletas no ar e passarinhos a cantar de tão felizes que ficamos. Mal sabia eu o que me esperava.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Depois de mais uma cirurgia

No dia seguinte à cirurgia, a médica esteve a ver a cicatriz e foi aí que eu me apercebi de que tinha o lado esquerdo do pescoço todo esquartejado. Foi uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo de aceitação. Mais cicatriz, menos cicatriz, o que interessava era ficar bem, era o meu pensamento. Além de que com o meu cabelo pouco ou nada se iria notar. A médica, perante a minha incredulidade, informou-me de que tinham retirado cerca de vinte gânglios, alguns deles bastante grandes, mas pareceram-lhe todos apenas inflamatórios. Mas só o resultado da anatomia patológia, cujo resultado só saberia daí a três semanas, nos poderia dar certezas de que n~~ao haveria por ali uma ou outra metástase. O pós-cirurgia não foi fácil. Não sei se pelo facto de no espaço de dois meses e pouco ter feito duas grandes operações, se da zona envolvida ter sido bastante extensa, a verdade é que tive dores horríveis na cabeça durante cerca de quinze dias. Sobretudo quando andava mais tempo de pé e me esforçava mais. Depois disso foi sempre a melhorar.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O tão temido esvaziamento cervical

Inacreditavelmente, no dia da cirurgia estava muito tranquila. Sendo eu uma pessoa que acredita que nada acontece por acaso nas nossas vidas e que arranja sempre alguma explicação para o rumo que as coisas tomam, olhando para trás, acredito que aqueles sucessivos adiamentos tinham de ser necessários, porque eu ainda não tinha atingido aquele ponto de calma em relação à cirurgia como naquele dia. A cirurgia anterior ainda estava muito presente e as recordações dela não eram as melhores. E neste dia, tal como disse e ao contrário dos outros dias em que a cirurgia esteve marcada, eu estava em paz.

A cirurgia correu muito bem, eu acordei muito bem disposta e, embora não pudesse comer, cheia de fome- mais concretamente (e não me perguntem porquê) com uma vontade louca de comer coxinhas de frango assado. Não vomitei como da outra vez e, apesar das dores e de estar transformada num adorável teletubbie graças às ligaduras que me rodeavam a cabeça, estava confortável. Tal como na cirurgia anterior, queria ver-me ao espelho o mais rápido possível para ver se tinha ficado com sequelas. Quando uma das possíveis sequelas é a danificação do nervo facial, uma pessoa está sempre com algum receio. Pedi a uma das enfermeiras um espelho e ela foi tão querida que, à falta de um espelho prático, arrastou consigo um armário que tinha um espelho incorporado para que eu pudesse ver. Tirando as cicatrizes que deviam ser mais do que muitas e que eu não via, estava aparentemente tudo bem com a minha cara. Que bom.

Fiquei no recobro até à manhã do dia seguinte. Recebi o carinho das pessoas que me foram visitar e que foram sempre umas queridas e dormi imenso. O pior foi a noite. O sono desapareceu e aquelas horas todas pareceram-me uma eternidade.

sábado, 21 de setembro de 2013

Quem me manda ser vaidosa?

No hospital de Santa Maria, para além do procedimento de nos lavarmos com o gel desifectante antes da entrada no bloco, também obrigava a que lavássemos o cabelo com esse gel. Ora sendo eu uma mariquinhas com o meu cabelo, era uma coisa impensável lavá-lo apenas com o dito gel desinfectante. Sem um amaciador. Sem um hidratante. Principalmente se tivermos em conta que tinha ido no dia anterior ao cabeleireiro e o meu cabelo se encontrava completamente sedoso e brilhante, pronto a enfrentar uma cirurgia. Mas lá fiz eu o que me mandaram. E fui lavar o meu querido cabelo com aquela coisa horrorosa.

Como o meu cabelo é muito forte e muito comprido, dificilmente seca sem a ajuda de um secador. Pedi o secador. Quando me preparava para secar o cabelo, foi precisamente quando me levaram para o bloco operatório. Lá ia eu de cabelinho molhado. Que tristeza. Como se não bastasse a triste cena, ainda me enfiaram a típica touca na cabeça.

Mas o melhor ainda estava para vir. O melhor foi quando acordei cinco horas depois. O meu cabelo parecia palha de aço. Áspero. Baço. Uma autêntica juba de leão. Quer dizer, já não bastavam as ligaduras e os pensos e mais não sei o quê, ainda tinha uma juba de leão na cabeça.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A cirurgia que nunca mais acontecia

Não sei como é agora, uma vez que já não frequento o Hopsital de Santa Maria,  mas em 2006 havia coisas que funcionavam muito mal. Adiante.

A minha cirurgia estava marcada para o dia 19 de julho, tendo eu de me apresentar nesse hospital na véspera da cirurgia. Na véspera lá vou eu toda lançada para ser internada e mal chego lá avisam-me de que a minha cirurgia não ia acontecer no dia previsto - tinha sido alterada e ninguém me tinha dito nada. Bonito. Viva o respeito pelas pessoas. Saí de lá muito muito irritada. Quer dizer, tinha perdido o meu tempo, a minha cabeça a pensar naquilo para nada. Ficou, desse modo, remarcada para uma semana depois, dia 26.

No dia 25, véspera da tão aguardada ida à faca, lá vou eu novamente num estado de nervos total. Fico logo internada pois ia ser operada logo às oito da manhã do dia seguinte. No dia da cirurgia, esperei, esperei, esperei e estranhei. Eu nem queria acreditar quando me vieram dizer que afinal a cirurgia iria ter de ser adiada, pois tinha havido uma emergência e a minha cirurgia não poderia acontecer. A isto chama-se gozar com a cara das pessoas. Fiquei possessa e já estava pelos cabelos com tudo. Tinha passado uma noite miserável, com não sei quantas pessoas num quarto que gritavam cada uma para seu lado, deixando-me ainda mais doente, e ainda me vinham dizer que não ia ser operada. Fui-me embora e disse que só voltaria ao hospital quando me dessem certezas de que a operação iria acontecer. Nada de internamentos na véspera, nada de nada. Eles concordaram.

E assim foi. Uma semana depois, no dia 2 de agosto de 2006, fiz a minha segunda cirurgia.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O google, esse grande amigo/inimigo de quem tem uma doença

Um dos conselhos que eu dou a todas as pessoas que descobrem que têm cancro é que não se ponham a investigar coisas e casos da sua doença no google. Eu cometi esse erro e só Deus sabe o que sofri. Comecei a investigar estudos, taxas de sobrevida, possibilidades de recidivas... E, ao invés de fixar o que lia de positivo acerca do meu tipo de cancro (que não eram muitas coisas, aviso já), não, senhor, só me concentrava nas coisas mais negativas. Só. Só. Passava noites inteiras nisso e não me fez nada bem. Desde essa altura passaram sete anos e nestes sete anos percebi uma coisa no cancro - cada caso é um caso, cada doente é um doente cujo cancro pode reagir de formas completamente diferentes. É certo que há estatísticas, há estudos, mas também há demasiadas exceções. Eu conheci muitas. Portanto, o mais importante é confiarem no vosso médico, naquilo que ele diz e guiarem-se também por aquilo que sentem. O meu irmão mais velho, que faleceu há dois anos, dizia sempre que o nosso melhor médico somos nós mesmos. Nós devemos estar sempre atentos ao nosso corpo, analisar todos os sinais e falarmos deles com o nosso médico. Sempre.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Pequeno esclarecimento

O meu blogue principal está a fazer uma pausa. Ontem fiz um post de despedida que esteve online até hoje a meio do dia. O blogue, tal como uma casa que esteve aberta a todos durante muito tempo e que precisa de algum descanso, encontra-se neste momento aberto apenas à sua autora, daí a mensagem que aparece na sua entrada. Não há convidados, não há surpresas lá dentro, não há segredos entre as suas paredes, apenas uma casa de portas fechadas. Só isso. Obrigada pela compreensão.

Esvaziamento cervical seletivo

Embora a nova médica tenha suavizado a cirurgia, a verdade é que a palavra esvaziamento me assustava imenso. Mas que iriam eles esvaziar afinal? Como ficaria eu? O que a médica me explicou e o que eu posteriormente andei a investigar na net foi que, para além de retirarem parte da cicatriz da anterior cirurgia,  iriam remover os gânglios linfáticos contidos nos triângulos submentoniano e submandibular (nível I de acordo com a imagem), os do terço superior da veia jugular interna (nível II) e os do terço médio da veia jugular interna (nível III). (Isto sem certezas que eu não sou médica). E isto tudo seria feito para evitar o aparecimento de metástases nestes gânglios e também para retirar aqueles que já estivessem acometidos por elas. Os riscos seriam os mesmos da cirurgia anterior e mais alguns. A médica não lhes deu muita importância, dizendo que só podia correr bem, e eu confiei. A cirurgia ficou marcada para o dia 19 de julho de 2006. 

sábado, 14 de setembro de 2013

Um momento inesquecível

Tendo sido a cirurgia no dia 31 de maio e tendo trabalhado eu até dia 30, houve necessidade de alguém me substituir nas aulas nas duas semanas que restavam até terminar o ano letivo de 2005/2006 (já lá vão uns bons aninhos). Assim, ficou uma colega minha com a turma que já estava comigo há três anos. Uns bons dias depois da cirurgia, quando já me sentia melhor, fui à escola entregar o atestado médico com uma amiga. Quando entrámos, um aluno meu que tinha vindo à casa de banho viu-me e ficou muito espantado por eu estar ali. Eu não queria estar a incomodar a aula da minha colega e, por isso, pensei que logo que tocasse eu iria vê-los. Nisto, e passados alguns segundos, oiço uma barulheira infernal e descontrolada vinda da zona da minha sala de aula e uma série de crianças a correrem na minha direção. Eram os meus alunos que, mal ouviram dizer ao que me tinha visto que eu estava na escola, saíram feitos loucos porta fora, sem autorização, para me abraçarem. Foi um momento inesquecível e comovente. Tive de contar até vinte e fazer um esforço enorme para não desatar ali a chorar à frente deles.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Nova médica, nova consulta

Antes de andar nas medicinas alternativas, fui então ao Santa Maria para onde a médica que me tinha operado me tinha encaminhado. Fui para a parte de cirurgia maxilo-facial e reparei logo que aquilo funcionava para lá de mal. Vamos supor que tinha consulta às oito, sabia de antemão que só seria atendida daí a três ou quatro horas. Mas isso são contas de outro rosário.

Calhou-me a dra Anabela Ferreira, já com muitos anos de experiência e de vida, que achei uma verdadeira simpatia e que não fez uma cara de terror e de pena quando eu lhe contei o que me tinha acontecido, muito pelo contrário. Tranquilizou-me imenso. Disse-me que tendo em conta os exames que eu tinha feito e tendo em conta que eu não tinha metástases (levava-lhe uma batelada de exames que comprovavam isso) era possível que a coisa fosse tratável. Mas, há sempre um mas, eu teria de ser operada novamente com a maior brevidade possível e, consoante o resultado dessa cirurgia, faria ou não radioterapia preventiva.

Tendo em conta que eu tinha sido operada há cerca de um mês e que ainda tinha bem presentes as mazelas físicas e psicológicas dessa cirurgia a notícia não foi fácil de digerir. Mas a médica com toda a sua humanidade deixou-me tranquila. E aqui tive a prova de que a maneira como nos são dadas determinadas notícias influencia e muito a maneira como lidamos com elas. Só o nome da cirurgia é que me deixou para lá de incomodada e amedrontada, chamava-se esvaziamento cervical seletivo.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

As medicinas alternativas

Uma pessoa fica a bater mal quando lhe dizem que tem cancro. Infelizmente, a palavra cancro não lembra boas coisas e  fica-se logo a pensar que o seu prazo de validade se aproxima do fim. Comigo não foi diferente. Fiz a minha vida normal, mas a minha cabecinha era frequentemente bombardeada com ataques de medo. Uma amiga minha que é uma querida e que sempre foi muito dada a medicinas alternativas aconselhou-me a fazer algumas. Não, não disse para eu largar a dita medicina tradicional e esperar pela cura com as medicinas alternativas, mas disse-me que mal não me iriam fazer e que de certeza  me iriam deixar mais tranquila e mais calma. Desta forma,  fiz reiki e acupuntura. E adorei. Posso dizer que realmente eu fiquei muito mais tranquila, comecei a ver as coisas de outra forma e andava toda paz e amor. Ainda bem, porque vinham aí novas mudanças e novos receios.

domingo, 8 de setembro de 2013

E namorados nessa altura, Kitty Fane?

Para dizer a verdade, nunca gostei e evitei sempre filmes que abordam o cancro e que resultam sempre em grandes dramas e choradeiras. É sempre tudo muito pesado e deprimente. Até que apareceu o  50/50. Como eu adoro esse filme. Quando o vi pela primeira vez, chorei e ri como nunca o tinha feito num filme. Identifiquei-me com quase tudo. Com muita pena minha, quando descobri que tinha cancro, ainda não tinha conhecido o meu marido, o meu querido, o meu Amor que eu amo louca e perdidamente, e, tal como nesse filme, eu também tive um traste ao meu lado nessa altura.

Foi a pessoa que, ao invés de me dar força antes da cirurgia, me relembrava dos riscos que eu corria. Foi a pessoa que me disse que não gostava de hospitais, como se houvesse alguém que gostasse de hospitais e ali fosse por divertimento. Foi a pessoa que depois de eu descobrir que tinha cancro, ficou cheio de trabalho e quase sem tempo de me ver e de estar comigo.

Não guardo rancor nenhum da forma como fui tratada por aquele que dizia que me amava, porque, verdade seja dita, eu não o amava. Estava com ele já nem sei bem porquê (eu era uma pessoa estranha naquela altura). Ter-me-ei acomodado a uma pessoa à qual eu não achava grande piada mas que fez tudo tudo para me conquistar uns bons meses antes e me fez gostar dele? Talvez. Mas, caramba, há limites. Escusado será dizer que acabámos, ainda que pacificamente, pouco tempo depois do tal fatídico dia, e que, inacreditavelmente,  ele tentou uma reaproximação (em vão) logo que me soube bem e supostamente livre de cancro.

Dizem que nestas alturas as pessoas revelam para connosco o melhor e o pior delas, consoante o amor e o respeito que têm por nós. Concordo em absoluto. Também dizem que temos de conhecer muitos trastes até nos aparecer o Homem da nossa vida. Concordo em absoluto. E é agora, sabendo e vendo quem tenho ao meu lado, que nos dias bons e nos dias maus me dá tudo o que tem, me dá todo o carinho e me salva sempre de um dia mau com o seu abraço, que eu fico com pena de existirem tantas pessoas a viverem o drama do cancro sem um Amor à sua altura. Porque um Amor bonito e presente faz toda a diferença.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Tenho cancro e agora?

Depois do diagnóstico de um cancro muita coisa muda na nossa vida. Repensa-se tudo. De repente percebemos que nos andávamos a queixar de coisas completamente irrelevantes. E tudo muda. O que considerávamos problemas até aí deixam de o ser. E tudo se centra no cancro e no que temos de fazer para o combater. Queremos que tudo se resolva o mais rápido possível e a nossa vida volte a ser o que era. Erro nosso. Nunca mais nada será como antes.

Quando saí daquele gabinete naquele dia fatídico enfiei-me no carro e desabei. O carro sempre foi um bom sítio para chorar e naquele dia cumpriu essa função mais do que nunca. Desfeita em mil pedaços, liguei para uma das pessoas que mais admiro e mais adoro - a minha mãe - a contar-lhe. A minha mãe disse-me para eu ter calma e disse que vinha ter comigo daí a umas horas. E assim foi. Quando eu dei conta, tinha a casa cheia de gente nesse dia. As amigas, sempre impecáveis. Alguma família. Eu, que na altura morava sozinha, gostei de sentir aquele apoio. Fiquei melhor, sem dúvida.

Mas um dos problemas com o qual nos temos de habituar a lidar é com o facto de os outros (não todos) passarem a ver o cancro e não a pessoa. Graças a Deus, e tirando as cicatrizes com que fiquei (que são mais do que muitas hoje em dia) mas que o cabelo tapa na perfeição, não perdi peso, não tive dores - tirando as cirúrgicas,  não fiquei sem cor, fiz sempre a minha vida normal, trabalhei (tirando na altura das cirurgias) e mesmo nos dias mais tristes em que acordava com umas olheiras do tamanho do mundo, arranjava-me e maquilhava-me sempre. Sempre achei que no melhor ou no pior, devemos estar sempre impecáveis (a não ser que nos falte força e vontade para tal) e a sentir-nos bem connosco. Ou seja, as pessoas olhavam para mim e nunca lhes passava pela cabeça que eu tivesse cancro. Mas, mal sabiam que eu tinha cancro era a desgraça total. Os olhares de pena, as lágrimas nos olhos e as palmadinhas nas costas multiplicavam-se e isso incomodava-me um pouco, confesso. Muitas vezes, as pessoas não se aperecebem, mas se há coisa que um doente de cancro não quererá é ser tratado de forma diferente só porque teve o azar de lhe sair essa doença na rifa. Isso incomodava-me a tal ponto que cheguei mesmo a proibir toda a gente que estava à minha volta de ter esse tipo de comportamentos à minha frente e isso até deu azo a vários episódios engraçados e divertidos que ainda hoje guardo na minha memória.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O tão temido resultado

Tinha sido informada pela médica de que o resultado da anatomia patológica ao tumor estaria pronto duas ou três semanas depois da cirurgia. Tinha, por isso, esse tempo para estar tranquila e para recuperar da cirurgia. E assim foi. Passados dois dias da cirurgia, já estava em casa e passados uns quatro ou cinco dias já eu andava a fazer a minha vida mais ou menos normal, embora ainda tivesse alguns cuidados especiais com o pescoço e com os maxilares e precisasse de descansar muito.

No dia 12 de junho de 2006, num dia quente e já com cheiro a marchas populares, a manjericos e a sardinha assada, tinha ficado de passar pela clínica para a médica ver como estava a recuperação e para tirar os pontos. Por acaso e como nem sequer me passava pela cabeça que ia saber nesse dia o resultado da anatomia patológica, fui sozinha. Quando ali entrei notei algo de estranho no ar. Como já referi, a médica não era propriamente uma simpatia e nesse dia, então, estava estranhíssima. No final, disse-me que já tinha o resultado da anatomia patológica com um ar muito sério e que o tumor não era benigno. Friamente e de rajada. Eu fiquei sem palavras. Quando recuperei, perguntei-lhe se era muito grave, se havia probabilidades de cura, o que iria fazer a seguir. A médica, ao invés de me dar algum alento e alguma esperança, ainda que o cenário não fosse propriamente idílico, disse-me que não sabia, que iria ter de fazer exames para saber se havia metástases, mas ela não sabia. Possivelmente, radioterapia ou uma nova cirurgia. Dependia tudo da existência de metástases ou não.

Na altura fiquei meio em choque e nem pensei muito nisso, hoje, olhando para trás, acho completamente indecente a forma como me deu a notícia. A profissão de médico é a profissão que mais admiro, já conheci e conheço médicos exemplares e especiais, mas esta médica em particular deixava muito a desejar na parte humana. Felizmente (a única parte boa do dia) e como nessa altura se dedicava quase só à cirurgia estética (isto é capaz de explicar alguma coisa) encaminhou-me para uma médica com alguma experiência neste tipo de tumores do Hospital de Santa Maria (cenas dos próximos capítulos).

Mas a verdade é que, independentemente disso, e enquanto as pessoas à minha volta pensavam nas férias que aí vinham, planeavam casamentos e filhos, eu tinha de lidar com o facto de estar com cancro, mais concretamente com um carcinoma da parótida. Tive medo.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A primeira cirurgia

A cirurgia ficou marcada para o dia 31 de maio de 2006. Todos os exames estavam bem à exceção da TAC onde se podia observar a tal lesão na glândula parótida, uma das glândulas salivares. Nunca tinha feito nenhuma cirurgia com anestesia geral e, por isso, estava uma pilha de nervos. E nada ajudou.

A médica operava no hospital da Ordem Terceira e, por isso, a cirurgia foi aí. Este hospital é privado, mas é antigo, horrível e deprimente. Detestei-o. A cirurgia foi por volta das sete da tarde (um horror de tarde), ainda durou cerca de três horas e a médica já não autorizou visitas. Entre o recobro (comigo a vomitar imenso) e o regresso ao quarto, passei a noite sozinha, a ver televisão (só tinha quatro canais para minha desgraça) cheia de dores, sem poder falar e sem sono. Foi uma das noites mais difíceis da minha vida.

Quando amanheceu e com o raiar da aurora, apareceu a minha primeira visita - o meu irmão J., sem dramas e super bem disposto. Adorei. Fiquei logo mais animada. Depois comecei a melhorar ao longo desse dia e já me sentia bem. É certo que só podia comer alimentos triturados e me cansava muito a comer, mas tudo isso fazia parte do caminho para ficar bem. Ainda por cima o nervo facial não tinha ficado danificado, o que queria dizer que um dos meus maiores receios não se tinha concretizado.

Mas, apesar de tudo ter corrido aparentemente muito bem, o tumor, segundo a médica, tinha um aspeto bastante suspeita. Aguardava, por isso, muito nervosa o resultado da anatomia patológica

domingo, 1 de setembro de 2013

Como tudo começou - parte II

Os meses foram passando, chegámos a 2006, e eu, inacreditavelmente, estava tranquila. De vez em quando sentia com as mãos aquela bolinha, indolor e móvel e pensava que se calhar estava na altura de marcar a cirurgia. Mas estava relaxada. No entanto, houve algo que me fez mudar repentinamente de atitude. A tal bolinha que até aí tinha estado sempre do mesmo tamanho aumentou consideravelmente num curto espaço de tempo. Fiquei francamente preocupada e decidi mesmo marcar consulta com uma cirurgiã plástica que dava consultas na clínica onde eu costumava ir e que, segundo me tinham dito lá, tinha muita experiência nestas cirurgias, pois já tinha trabalhado nesta área.

Marquei consulta e foi aí que a minha preocupação aumentou para doses nunca antes vistas. Assim que fez a palpação essa tal médica disse logo o que o meu médico assistente de clínica geral (e incompetente) nunca disse. Não lhe parecia um quisto sebáceo, mas sim um tumor, e pelo que ela percebeu estava situado na glândula parótida o que implicaria sempre, fosse um tumor ou o mais simples quisto, uma cirurgia com anestesia geral (o outro médico disse-me que seria de anestesia local), uma vez que é nesta zona que está situado o nervo facial e qualquer problema poderia implicar uma alteração da expressão facial, ou seja, correria riscos de ficar parcial ou totalmente deformada.

Bom, escusado será dizer, que fiquei para morrer e já a pressentir o pior. Sobretudo porque a médica - Dra Ana Gonçalves - também não foi propriamente uma simpatia comigo, muito pelo contrário. Se soubesse o que sei hoje, teria logo avançado para outro médico, mas, não me perguntem porquê, decidi continuar com ela, tendo em conta que segundo constava era uma profissional conceituada e assim marcámos logo uma série de exames (TAC, raio X, análises clínicas...) e marcámos a cirurgia.

Estava a haver uma reviravolta na minha vida e eu não estava nada optimista. Pressentia o pior.